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Foto do escritorLuiza Oliva

Toda força ao design autoral

Atualizado: 8 de abr.

Bruno Simões é um dos nomes fortes do design brasileiro. Um dos criadores da MADE – Mercado Arte Design (ao lado do sócio Waldick Jatobá) e curador do espaço de design brasileiro promovido pela Apex Brasil no Fuorisalone, como parte da Semana do Design de Milão, Bruno vem acompanhando o fortalecimento do design autoral brasileiro nos últimos anos. Este ano, cerca de 50 marcas brasileiras estarão na Università degli Studi di Milano.


“Essa é a parte chata da curadoria: recebi mais de 200 marcas interessadas mas há nomes que não estão prontos para Milão. Expor lá é sempre objeto de desejo para qualquer criador. É o máximo de satisfação e conquista pessoal e profissional, participar de um evento em Milão com a chancela da Apex”, diz.



Bruno Simões: designer e curador. Fotos: Divulgação




Acompanhe nesta entrevista ao site O melhor lugar do mundo a trajetória profissional de Bruno, a história da MADE (que este ano acontece de 5 a 9 de junho no Complexo Pacaembu, em São Paulo) e as novidades da participação dos designers brasileiros no Fuorisalone em Milão.


Bruno, conte um pouco da sua trajetória profissional e da sua opção pelo design.

Me formei na faculdade de fotografia, trabalhei em revistas e jornais. Também pensava em seguir carreira no cinema. O visual sempre me chamou muito a atenção. Mas durante o curso de fotografia me interessei muito por arquitetura, que é a formação dos meus pais. Claro que, por isso, a arquitetura esteve presente na minha vida desde criança. Me especializei em fotografia de arquitetura e decidir cursar a graduação em Arquitetura no Mackenzie. 


Em 2006 ingressei na Triptyque, na época um jovem escritório de vanguarda. O universo do cinema e da fotografia me abriu muito a cabeça. Sempre busquei coisas fora do convencional, e eu enxergava a Triptyique como a única empresa onde eu gostaria de trabalhar. Foi o único currículo que eu mandei na minha vida, fui aceito e tive minha primeira experiência como arquiteto. Trabalhei lá durante quatro anos e cheguei a um cargo de responsabilidade, o que incluía dar palestras e entrevistas, visitar feiras e lojas. Me tornei quase um relações públicas do escritório e assim peguei gosto pelo universo da comunicação.


MADE 2023, no Pacaembu.


Até que um dos funcionários da Triptyque, que era jornalista, foi trabalhar na Casa Vogue. Surgiu uma vaga na revista e ele achou que o cargo era ideal para mim. Sempre tive um apreço e fascínio por revistas de arquitetura, até porque cresci rodeado delas. Fui estudar, me tornei então um jornalista, e trabalhei três anos na Casa Vogue. 


E como surgiu o seu trabalho como designer?

Como editor da Casa Vogue viajava para feiras em todo o mundo e muitos designers me incentivavam a abrir meu próprio estúdio. Foquei em abrir meu estúdio de criação, trabalhando com arquitetura e design de produto. Nessa mesma época eu entendi que faltava muita coisa no mercado brasileiro, e estamos falando de uma época anterior as mídias sociais. O Instagram estava engatinhando, as revistas do setor nem tinham sites tão caprichados, era tudo bem embrionário. 


Com meu trabalho como jornalista, tinha um acesso privilegiado a informações e percebia que o Brasil estava muito atrás.  Faltavam no Brasil residências artísticas, marcas com um olhar para o autoral, a figura do designer não era valorizada e faltava também uma feira séria. Todas essas partes do mercado eram, e são, bem estruturadas lá fora. 


Em 2013, montei a MADE com meu sócio Waldick Jatobá, que tinha iniciado outra feira, chamada Design São Paulo, que teve só uma edição. E foi nessa feira que eu o conheci. Acreditei que ele era a pessoa certa e o convidei para montar a MADE. Waldick veio com patrocínios, e eu com a curadoria.  



MADE criou o termo coletivo de designers.


E lá se vão 10 anos do meu ateliê e da MADE – as duas iniciativas têm a mesma idade. O Bruno designer e o Bruno curador nasceram juntos. Nasceram da necessidade de entender que o mercado brasileiro não tinha nada, o mercado não fazia nenhuma distinção do que é o design autoral, do que é a figura do designer. Era um trabalho que principalmente a Casa Vogue fazia com muita dedicação mas que era pouco absorvido pelo mercado em geral.


Em todos esses anos de MADE, como você avalia a evolução no mercado de design e qual foi a contribuição da MADE para isso?

Sem falsa modéstia, a MADE criou o mercado do design autoral brasileiro. Os autores tinham show room ou ateliês isolados, mas não havia uma união dessa turma, momentos em que se encontrassem para discutir design. Também criamos o termo coletivo de designers justamente para representar o espírito de união. Em 10 anos surgiu uma comunidade gigantesca, com feiras e semanas de design espalhadas pelo país.


A primeira MADE teve apenas 16 estúdios. Na época era difícil encontrar quem tinha um estúdio autoral aberto. Eram poucos os estúdios independentes com capacidade para participar de uma feira como a MADE. Em 2019 chegamos a ter mais de 200 expositores, a feira cresceu exponencialmente muito rápido e ocupou vários espaços, como o Jóquei e a Bienal. Com a pandemia, claro, saímos da Bienal, passamos para o Pacaembu e reconstruímos a imagem do evento. Até porque eu acredito que aquela feira gigante não tem mais razão de existir, principalmente porque os patrocínios que tínhamos no início não existem mais hoje. O cenário de grandes eventos mudou muito.


Como você enxerga a geração atual de jovens designers brasileiros?

Diferente da minha geração, que hoje tem em torno de 40 anos, a geração mais nova já tem a pulguinha do empreendedorismo, com uma boa habilidade de comunicação, com o uso das mídias sociais. É uma geração mais preparada para o comércio, sabe que o produto tem que ter um valor final, um público definido. 


Design brasileiro no espaço da Apex, na Università degli Studi di Milano.


Mas sinto também que essa geração tem algumas dificuldades: tudo se tornou mais acessível. Você pode sair da faculdade e montar seu escritório. Mas há uma etapa importante que alguns pularam: o estágio, a prática de se espelhar em alguém com uma carreira consolidada, aprender com a responsabilidade de lidar com grandes clientes. Sou muito grato às experiências profissionais que eu tive antes de montar meu próprio estúdio. Mas há o outro lado da moeda. Ao mesmo tempo, essa turma mais jovem está criando desde cedo sua imagem, sua marca, na qual ela acredita. 


Claro que há uma dificuldade de venda, mas ainda é dada muito mais pelo mercado. Nosso mercado consumidor ainda tem uma resistência ao contemporâneo. Isso é um trabalho de formiguinha que a nova geração está conseguindo fazer. Ou seja, a geração mais jovem está conseguindo minimizar a ideia de que só o que é de madeira, só o que é vintage, só o que é feito pelos mestres é legal. Vejo que existe uma preguiça do mercado em descobrir novos nomes. Há poucos arquitetos investigando, pesquisando, descobrindo novos designers. Percebo que a maioria frequenta as mesmas lojas, vai nos mesmos lugares e usa os mesmos produtos.


O que você pode nos contar sobre o uso de novos materiais? O que você aponta como tendência no design nacional?


Temos a tendência do inox, dos cromados, do alumínio, mas é uma estética muito radical, poucos profissionais conseguem emplaca-la com os clientes até porque a nossa expertise histórica é com a madeira. Mesmo o ferro, que não é o material novo, perde na preferência dos clientes para a madeira. O Brasil tem uma biodiviersidade e um conhecimento em relação a madeira, e desde que ela seja tratada devidamente é algo ainda com potencial.


Mostra da Apex no Fuorisalone do ano passado.


O que mudou muito nos últimos anos foi que os designers voltaram a abraçar a cor, algo que não fazíamos desde os anos 60. A arquitetura começou a ficar triste. Agora temos uma geração mais desapegada do ideal da austeridade e que cria produtos coloridos, alegres. E o metal funciona muito bem com cores. Vemos muito estantes, prateleiras, planejados usando cores. Temos ainda a diversidade de cores de tintas que cresceu incrivelmente.


Mas o que o mundo está pedindo hoje, são os materiais com viés sustentável: o foco global é esse. No Brasil esse mercado ainda está engatinhando e são poucas as opções. A área de têxteis ainda está um pouco mais avançada: temos algodão orgânico, couros vegetais, borracha vegetal. Vemos até peças criadas com borra de café, como a coleção da Lab Mobili em parceria com a Recoffee. Mais precursor ainda é o uso do micélio, um dos materiais mais interessantes que pode substituir uma série de materiais derivados de petróleo, Como espumas, isopor, revestimento acústico. (NR. O micélio pode ser descrito como raízes de fungos e cogumelos, que se desenvolvem abaixo da superfície. São filamentos extremamente finos, que se desenvolvem em todas as direções.) 


Infelizmente ainda vemos no Brasi uma resistência do mercado em relação ao que é sustentável, visto como um material hippie. As marcas precisam promover esses materiais com um marketing inteligente. A Osklen faz isso muito bem. A marca trabalha com juta vegetal da Amazônia, couro de pirarucu, algodão orgânico e mostra que esses materiais não são inferiores, pelo contrário, eles têm um valor agregado. Ela convence o cliente das qualidades desses materiais. Porque quase sempre o cliente quer couro de boi, por exemplo, não quer couro de algas, de cacto. Mas na verdade esse é o futuro e temos muito mais a falar sobre esses materiais do que sobre os tradicionais que são de base extrativista. Até sobre fios de pet ainda há preconceito: em ambientes corporativos, os carpetes são feitos predominantemente com mistura de fios de pet. Mas quando se fala de um tapete residencial decorativo, os clientes buscam materiais nobres.


E já que estamos falando de sustentabilidade e design, chegamos no tema da exposição de Milão. Quero entender como você iniciou a curadoria do espaço da Apex no Fuorisalone.

Em 2020 a Apex me convidou para ser o curador do espaço. Com a pandemia, o Salão fez uma pausa, em 2021 a edição foi só para o público italiano. Estreei em 2022, quando o Salão aconteceu em junho, fora de época. Em 2023 voltamos para a data oficial do Salão, em abril. Foi uma longa jornada, de 2020 até 2023. Em todos os anos discutimos temas ligados a causas sustentáveis. Não necessariamente os produtos que apresentamos precisam ter processos ou materiais sustentáveis. Mas a ideia é promovermos que esse é o futuro.



Mostras brasileiras em Milão sempre têm inspiração na natureza.


Minhas curadorias seguem muito para o lado da cultura e da ciência. Busco ideias mais abstratas que inclusive possam inspirar os designers. Trabalhamos com o mesmo cenógrafo de dois anos anteriores, e assim conseguimos uma imagem coesa do que é o Brasil em Milão, sempre inspirada na natureza. 


Este ano vamos usar as curvas do rio Madeira, algo bem orgânico. Nosso tema é a Coccoloba, uma descoberta da região Norte, na bacia do Rio Madeira. A Coccoloba gigantifolia é uma descoberta recente, uma espécie vegetal com folhas registradas como as maiores do mundo. Mas o que é interessante nesta espécie é menos este fato e mais o que está por baixo – como ela respira. Devido à sua baixa altura, a árvore teve que se adaptar às condições de pouca luz natural desenvolvendo uma enorme folha capaz de trabalhar 24 horas, fazendo fotossíntese durante a noite.


E ainda há muito o que aprender com ela! É um paralelo perfeito com o processo de design, como desafiamos as condições estabelecidas para criar uma expressão original; resolver e inovar. E é muito coerente com o que eu venho trabalhando na Apex: uma mudança de paradigmas, de passar o bastão para a nova geração, um novo discurso do que é o design brasileiro. A Coccoloba venceu uma série de desafios para ser reconhecida.

O botânico paraense Carlos Alberto Cid Ferreira passou 40 anos analisando e estudando frutas, flores e sementes para então a Coccoloba ser reconhecida como uma espécie original. Ou seja, entre a descoberta da folha e o seu reconhecimento internacional passaram-se 40 anos. Cid Ferreira viveu 40 anos, a minha idade, defendendo uma árvore. É uma história muito bonita e simbólica também do design brasileiro. Simboliza o que os designers enfrentam, uma luta pelo design autoral, a luta de uma vida. 


Também é muito importante divulgarmos que o Brasil não é só a região Sudeste. Que o design brasileiro não está só ligado à indústria do Sul e ao mercado de São Paulo, que temos uma cultura riquíssima no Norte, no Nordeste, que temos histórias e tradições pelo país todo. Importante termos essa representação nacional. Por isso busco temas que fujam do polo do Sudeste. 


Qual o papel do Brasil no salão?

Cubro o salão desde 2011 e vou continuamente desde 2015. A presença do Brasil em Milão sempre foi importante, com um grande palco. Desde 2011 existiram projetos setoriais do Brasil, dos grandes grupos brasileiros dos setores de casa e construção, mas com um viés de mercado, de indústria. Porque é caro mandar tudo para a Itália, e também não tínhamos esse mercado diverso como hoje. Era muito setorial, comercial, não havia a ideia de promover a qualidade do design. Existiram edições pontuais com viés mais cultural, para falar dos nossos grandes mestres, por exemplo.

Meu trabalho com a Apex desmistificou isso, buscamos uma visão autoral, independente da indústria. Para buscar uma presença internacional precisamos apresentar ideias novas. Os mestres todos já estão representados lá fora, precisamos mostrar o que é novo, para competir com o que acontece no Exterior. Precisamos entrar em concordância com ideias básicas do cenário internacional, que são sustentabilidade, criatividade, autoria, propósito, conceito atrelado ao produto.



Por muitos anos, o Salão do Móvel de Milão ficou atrelado à indústria. Porque o design italiano é indústria. E por muitos anos consumimos isso: que o bom design é aquele bem resolvido industrialmente. Só que essa não é a nossa realidade. O Brasil não é bem resolvido industrialmente. Temos que usar o nosso potencial, que é muito mais de narrativa e de criatividade. Aqui o produto passa pela indústria mas sempre é acabado manualmente, ou vice-versa. Essa é uma característica nossa que tem conquistado reconhecimento. Mas qualquer projeto que se faça em Milão tem que vir com uma cenografia correta, com discurso e conceito corretos. Só lançar produtos, lançar por lançar, não funciona mais em Milão. Importante que o Brasil conseguiu acompanhar esse movimento global. 


Que visitas imperdíveis você indica para quem irá este ano à Semana do Design de Milão, além, é claro, da mostra brasileira?

Imperdível conhecer as instalações nos grandes endereços da moda, como Hermès, Louis Vuitton, Armani, Fendi e Gucci. Nos sentimos impactados pelas cenografias. Há anos de show e outros mais tímidos, mas sempre impactantes.


A Alcova é uma feira de vanguarda, que mostra o que há de jovem e reúne pessoas do mundo todo, saindo do universo apenas do design europeu. No bairro de Isola, há muitas marcas com novos materiais e sustentáveis. O distrito de Brera também está repleto de bons endereços. Se a ideia for conhecer design experimental, busque a Baranzate Ateliers. Visito também sempre as grandes marcas inovadoras italianas, mais transgressoras, como Cassina, Moroso, B&B, Capellini. No distrito Cinque Vie estão os grandes palazzos. Há mostras de design no contexto dos palácios, com trabalhos mais artesanais. O Palazzo Litta, na Corso Magenta, é um deles.




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