Conhecer as preferências e características das crianças, além dos objetivos dos pais, é essencial quando se trata de criar quartos infantis
Fotos Juliana M. Deeke @jmd.arqphoto
Para projetar o quarto de 12 metros quadrados dos irmãos Liz, de sete anos e Theo, de quatro, a arquiteta Juliana Mancini, do @mininoma, ouviu os desejos de toda a família. Os pais pediram um ambiente divertido, para que as crianças pudessem brincar juntas, mas que também reservasse um cantinho para cada irmão. Era preciso também espaço para organizar e armazenar as coisas dos dois. A ideia foi substituir todos os móveis porque, segundo os pais, eram provisórios e passaram muito tempo sendo permanentes. “Isso facilitou muito o desenvolvimento do projeto, pois mudamos totalmente a posição dos móveis, criando o melhor aproveitamento possível do espaço”, conta Juliana.
Tons amenos e muita luz natural no quarto dos irmãos Liz e Theo.
Liz, a irmã mais velha, é super antenada, atenta aos detalhes, calma e paciente. Ela adora as cores rosa e amarela, e queria muito no quarto um canto só dela, e também uma penteadeira. Em contrapartida, Theo é ativo e, por conta disso, a arquiteta sugeriu itens para que ele possa gastar energia. O garoto prefere verde e azul, brinquedos para se pendurar e escorregar, mas também ama Lego, atividade característica de crianças bem atentas e que envolve muito a criatividade.
O espaço também precisou atender uma particularidade de Liz, que é surda. Para entender o que faz sentido no ambiente para uma criança surda, a arquiteta Juliana foi estudar sobre deficiência auditiva. “O assunto já é familiar para mim porque tenho uma afilhada surda. Em espaços que irão atender pessoas surdas, não se deve criar grandes contrastes porque a visão é um sentido mais aguçado, além do tato. O ideal é usar cores mais amenas e suaves. Deixei os ângulos visuais o mais abertos possível, sem muitos elementos no meio do caminho, como por exemplo um mezanino que invadisse muito o ambiente. O quarto acontece muito nas extremidades, com o centro livre para brincar. Para o surdo a comunicação é feita muito através do olhar, então é importante levar esse aspecto em consideração”, pondera Juliana.
A iluminação natural também é fundamental no projeto deste quarto. Parte do mezanino é vazado para a iluminação da janela fluir. A arquiteta optou também por uma luz central mais intensa, que gera uma luz homogênea e clara, e pontos de arandelas para as camas e para a leitura.
Os espaços de dormir foram planejados para preservar a individualidade dos irmãos. Liz ficou com a cama superior. “O mezanino com a cama da Liz na transversal da cama do Theo foi uma boa sacada. Assim conseguimos criar espaços um pouco mais privativos em um ambiente que é predominantemente coletivo. Há três acessos para o mezanino compartilhado: pela cama da Liz, pelo escorrega e pela parede de escalada. Gosto de criar nos quartos infantis um circuito: Theo consegue subir sem atrapalhar a Liz. Por outro lado, ela também consegue acessar o andar de cima sem passar pela área do brincar. É uma setorização que cria maior privacidade, sem que um precise passar pelo cantinho do outro ao brincar. Ou seja, independência dentro de um quarto compartilhado”, pontua Juliana Mancini.
A localização das camas preservou a individualidade dos irmãos.
Outro ponto alto do quarto é o armário que abraça a penteadeira. “Queria trazer esse móvel solto que a Liz tanto pediu, mas sem criar um ruído no ambiente, sem deixá-lo solto pelo espaço. Nesse projeto foi muito importante facilitar a rota, para haver segurança e favorecer as ações que facilitem que duas pessoas continuem se comunicando pelo olhar”, pontua.
O quarto tem também vários cantos de livros e uma estante específica de livros e jogos embaixo do mezanino, além de outro armário embaixo da rampa do escorrega. Detalhes importantes são itens de valor afetivo, valorizados na decoração, como um porta-livros, uma arte que os irmãos ganharam de presente e um abacaxi luminoso. “Eles fazem parte da história das crianças e constroem um ambiente mais acolhedor e significativo”, completa a arquiteta.
Penteadeira foi um pedido especial de Liz.
O quarto dispõe de vários espaços para livros e brinquedos.
Projeto @mininoma
Marcenaria @marcenariajaguaribe
Enxoval @uauababy
Iluminação @_goldenart
Móveis Soltos @kakiidesign
A importância de um quarto infantil bem planejado
Para Juliana Mancini, da @mininoma, a arquitetura e a decoração devem contribuir com a rotina e o bem estar dos usuários. “Elementos como a madeira, tecidos e luz natural são muito presentes nos nossos projetos.” E, para quartos infantis, uma outra preocupação permeia o trabalho da arquiteta: evitar a superestimulação dos pequenos moradores. “Sabemos que hoje as crianças vivem uma época de superestimulação, com múltiplas atividades ao longo do dia e muita exposição a telas. A ansiedade das nossas crianças é grande. Os quartos devem ser ambientes lúdicos, divertidos, mas que podem diminuir o nível de estímulo.”
Juliana Mancini: “Arquitetura e decoração podem reduzir superestimulação infantil.”
Juliana exemplifica que meninos costumam gostar do vermelho que, junto com o laranja, é uma das cores que mais estimula. A arquiteta procura colocar as cores preferidas em detalhes dos quartos infantis. “Prefiro cores acinzentadas as fortes e vibrantes. Uma dica: se ainda assim quiser um tom vibrante, escolha o amarelo, menos estimulante.”
Também é fundamental ficar atento a quantidade de brinquedos que colocamos nos quartos. “Quanto mais coisas expostas, mais estímulos. Evito prateleiras abertas com bonecos, cacarecos. Também não exagero em estampas de papel de parede.”
Entre os campeões de pedidos dos pais estão justamente quartos com espaço para guardar brinquedos e que estimulem a organização da criança, além de facilitar a dinâmica do dia a dia dos pequenos e com espaço para brincar. Já as crianças curtem mezanino, seja para dormir ou brincar, além de escorregador, escalada, cabana e casulo.
Mezanino, escalada e escorrega estão entre as grandes preferências infantis.
Juliana comenta que sempre é fundamental ouvir os pedidos das crianças. “A partir do momento em que falam, elas já conseguem expressar o que gostam.” A arquiteta também bebe na fonte de alguns pedagogos com os quais se identifica, entre eles Maria Montessori, Cecilia Meireles (que além de poetisa era educadora), Anísio Teixeira, Paulo Freire, e as pedagogias Waldorf e de Reggio Emilia. “São pedagogias que levam em consideração a autonomia da criança, a independência, um jeito mais livre de aprender. São estilos de educação com os quais eu me identifico e levo para meus projetos. Tudo que é muito óbvio desperta menos interesse das crianças. Quanto mais trabalhamos com formatos orgânicos, estampas, texturas, que suscitem interrogações nas crianças, melhor. O papel da arquitetura é trazer algo menos literal, que incentive a curiosidade, a criatividade, onde o espaço não é pré-definido. Busco estimular o lúdico, com formatos e estampas não literais, e também a autonomia, com coisas ao alcance das crianças. Devemos pensar no olhar das crianças não só nos quartos. A casa não é só dos pais, é das crianças também, e elas devem ser levadas em consideração”, conclui.
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